quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O Encontro Cultural de Laranjeiras e o seu 43º ano

O Encontro Cultural de Laranjeiras talvez seja um dos eventos de estudo da cultura popular brasileira de maior longevidade no Brasil. Há 43 anos acontece sem interrupção, entra governo sai governo, em tempo de crise econômica, chova ou faça sol, o encontro sempre acontece na histórica cidade de Laranjeiras no estado de Sergipe. 
A cidade está localizada na região Metropolitana de Aracaju, é de fácil acesso por automóvel ou transporte coletivo e fica a cerca de 20 quilômetros do centro da capital de Sergipe.
Laranjeiras é um museu a céu aberto, como gostam de dizer orgulhosamente os seus habitantes, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN desde 1996. A cidade é banhada pelo rio Cotinguiba, na sua margem estão localizados o Trapiche e o Mercado, é cercada de igrejas e casarões coloniais que contam a sua história econômica e cultural.
Participei, agora em janeiro de 2018 como convidado da organização do encontro, fazendo uma palestra com o tema: As festas tradicionais e os diferentes processos de atualização. Foi uma honra tomar parte do 43º Encontro Cultural de Laranjeiras ao lado de professores, pesquisadores, mestres e brincantes dos grupos folclóricos de Sergipe.   
Ao longo dos anos o encontro foi ampliando o seu espaço para divulgar Laranjeiras como uma cidade detentora de importantes patrimônios culturais materiais e imateriais. Um dos principais objetivos do encontro é reunir estudiosos e pesquisadores da nossa cultura popular para conhecer de perto as manifestações dos grupos folclóricos, as igrejas, os casarões, o mercado, o trapiche e as ruas históricas de cidade. Sem dúvida foram os encontros culturais que projetaram Laranjeiras no cenário nacional. Assim como disse Luiz Antônio Barreto:
Quando a somação do Governo do Estado com a Prefeitura Municipal, apoiada pela então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras foi a destinatária de um conjunto de ações, em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras e instalação do Museu Afro Brasileiro de Sergipe, iniciando uma série de restauros que devolveu ao uso público monumentos sociais, como o Mercado da cidade, o Trapiche, a Casa da Câmara, bem como recuperou ruas de calçamento de pedra, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade. Com o Encontro Cultural de Laranjeiras Sergipe foi grande beneficiado, porque foram gravados, pela primeira vez, os sons dos grupos folclóricos e editados discos, livros, cadernos de folclore, dando visibilidade a um variado elenco de grupos, cada um com sua característica (artigo publicado em 01/01/2000/Infonet).
 O Encontro Cultural de Laranjeiras não pertence só ao povo sergipano é um patrimônio de todos nós, é uma sala de aula aberta aos estudiosos, pesquisadores, aos mestres e brincantes das manifestações das culturas populares. Como afirmou Bráulio Nascimento:
Na verdade, não é possível falar do desenvolvimento dos estudos da cultura popular no Brasil sem passar por Laranjeiras. Muitas ideias aqui expostas e debatidas constituíram o núcleo de trabalhos de maior fôlego, que motivaram e estimularam debates em outros pontos do País, em outros contextos culturais (artigo publicado em 2005 nos 30 anos do Encontro Cultural).
No encontro de 1977 cerca de 200 grupos estiveram presentes durante a realização do evento e Laranjeiras passou a se chamar, simbolicamente a capital do folclore brasileiro no mês de janeiro.
A reunião de estudiosos, pesquisadores brasileiros e estrangeiros colocou Laranjeiras no centro das atenções, dos debates e discussões sobre os antigos e novos paradigmas de estudos e pesquisas da nossa cultura popular que se espalharam mundo afora, possibilitando publicações de artigos, dissertações, teses e livros, que atualmente estão disponíveis na mídia impressa e nas redes sociais.
Quando Luiz Antônio Barreto, com a colaboração de estudiosos e pesquisadores da cultura sergipana, idealizou o encontro em 1976, que aconteceria durante o período da Festa dos Santos Reis, teve como propósito levar para Laranjeiras importantes nomes de estudiosos e pesquisadores da cultura popular e das artes brasileiras, para testemunharem as apresentações dos grupos folclóricos e a simbologia da festa religiosa de coroação da Rainha das Taieiras na igreja de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, cerimônia religiosa que há mais de cem anos acontece na cidade histórica no início de janeiro.
A partir daí não só Laranjeiras, mas o Estado de Sergipe entra no calendário cultural brasileiro como referência dos estudos e das pesquisas folclóricas.
Nesses 43 anos de realizações, passaram pelo encontro importantes personalidades de reconhecimento nacional e internacional. Para conferir basta consultar as publicações comemorativas que reúnem textos apresentados nos 20 e nos 30 anos de realização.
A professora e pesquisadora Aglaé Fontes, à época Secretária Especial da Cultura do Estado de Sergipe, na apresentação da publicação dos 20 anos, diz: 
Ao longo dos 20 anos O Encontro Cultural de Laranjeiras, vem se constituindo um foco de resistência cultural em defesa do folclore. Com as mais diversas formas de ver, pesquisadores e estudiosos da cultura popular, apresentam, a partir de temas, informações e aprofundamento de estudos, que fazem do simpósio um fórum aberto das discussões de ideias (texto de apresentação da publicação dos 20 anos do encontro). 
No discurso de abertura oficial do 20º encontro o então prefeito de Laranjeiras Hans Otto Hagenbeck na sua fala em defesa dos grupos folclóricos afirma:
Laranjeiras volta mais uma vez ao clima de festa, que transpira de um encontro com a dimensão do que, pela vigésima vez, passa a acontecer na nossa cidade. Temos a honra e grata alegria de não só recepcionarmos os ilustres participantes, como também a todos que aqui estão presentes; cujas participações dignificam um acontecimento que já deitou suas raízes por todo o Brasil, e além-fronteiras. A trajetória dessa promoção que se repete no início de cada ano, vem se consolidando ao longo do tempo. Turistas e visitantes aqui chegam, com a finalidade de sentir de perto a força do folclore animando o espírito popular de nossa gente, repassando uma imagem positiva de um povo que não deixou sucumbir o que lhe há de mais tocante: a sabedoria passada de geração a geração.
Mais adiante já no final do seu discurso o prefeito Hagenbeck ressalta a importância da cidade de Laranjeiras como um grande palco de manifestações folclóricas:
Durante os próximos três dias, Laranjeiras deixará de ser apenas uma cidade comum para transformar-se no grande palco das manifestações folclóricas que aqui vão desfilar. Que a grandeza da sua gente humilde e acolhedora possa receber a todos de abraços e coração abertos. Muito obrigado (publicado nos anais do XX Encontro Cultural de Laranjeiras, 1995).
O atual prefeito de Laranjeiras, Paulo Hagenbeck e a atual Secretária Municipal da Cultura, Maria Gardênia Hagenbeck na apresentação do programa cultural do 43º encontro dizem que:
Desde seu surgimento o Encontro Cultural de Laranjeiras dedica-se a promoção da Cultura popular, construiu um caminho articulado de estudo, pesquisa e exercícios das manifestações culturais. O Encontro Cultural de Laranjeiras é considerado um dos maiores desse país nesse segmento, sendo um evento consolidado nacionalmente e internacionalmente. 
Mais adiante continua:
Queremos desejar boas vindas e saudar a todos que fazem essa festa acontecer, turistas, comunidade laranjeirense e sergipana, artistas culturais e musicais regional e nacional, colaboradores no geral. Saudações especialmente aos brincantes da nossa cultura popular que protagonizam e reverenciam o folclore da cidade de Laranjeiras.
O tema central do encontro deste ano foi: Nosso palco é a rua, mas os camarotes e os palcos patrocinados pela administração municipal é que tomaram conta das ruas de Laranjeiras para apresentações de shows artísticos predominantemente de cantores e cantoras de músicas que estão nas paradas de sucessos midiáticas. Nada contra qualquer gênero de música e de show artístico, mas cada qual no seu tempo e espaço.
O tempo e o espaço do Encontro Cultural de Laranjeiras, das manifestações dos grupos folclóricos, da Festa de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário celebrada no dia de Santos Reis devem ser respeitados pelas autoridades civis e religiosas. O volume alto do som dos palcos abafava as falas dos conferencistas e dos debates que se realizavam no simpósio, além de abafar as músicas e danças dos grupos folclóricos, como mostram os vídeos no final do texto.
Mas assim mesmo a Taieira, a Chegança e o Cacumbi saíram em cortejo, no domingo pela manhã, rumo à igreja de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário para participar da missa de coroação da Rainha da Taieiras, percorrendo as ruas desviando ora dos automóveis, ora dos palcos instalados nas esquinas, nas praças e até no meio das ruas, numa verdadeira caminhada de obstáculos até chegarem à igreja. Mesmo assim o padre, interrompendo a tradição, não coroou a Rainha da Taieira como deveria. Mas, o protesto de Bárbara, a mestra do grupo, da comunidade presente na missa fez com que a rainha fosse coroada conforme manda a tradição da festa.
Com os cantos, as músicas abafadas pelos sons estridentes dos palcos os grupos continuavam em cortejos, assim como forma de interpelação ao menosprezo do poder público e, teimosamente, demostrando que a resistência é a força da cultura popular.
Ao contrário do discurso das atuais autoridades administrativas da cidade os protagonistas não foram os grupos folclóricos, não foram os mestres e brincantes da cultura popular laranjeirense e sergipana.
Portanto, no 43º Encontro Cultural de Laranjeiras os mestres, os brincantes e os grupos folclóricos tiveram na festa um papel, lamentavelmente, de coadjuvantes. O que estamos assistindo na realidade nos últimos anos dos encontros culturais é como se existissem duas festas distintas, uma com palcos com a parafernália eletrônica de som e iluminação espalhados pelos pontos principais da cidade para as apresentações de shows artísticos e outra periférica que é a festa religiosa e as manifestações dos grupos folclóricos.
Aqui, constrangidamente, quero deixar um pouco do meu desencantamento, até da minha indignação, com o que presenciei agora em Laranjeiras no encontro de 2018. O meu depoimento tem o olhar de quem testemunhou e participou da maioria desses 43 anos de realização do encontro cultural, desde o primeiro em 1976, quando tinha acabado de sair da universidade e, com certeza estive presente em mais de 30 dos 43 já realizados. Portanto, acompanhei, continuo acompanhando e posso afirmar que participei dos momentos mais importantes da história do Encontro Cultural de Laranjeiras, assim como diz Luiz Antônio Barreto em artigo publicado:
Quem vem, anualmente, a Laranjeiras para trocar ideias, trazer novas apreciações, atualizar as referências e as bibliografias renova o compromisso. Foram muitos, algumas dezenas ao longo do tempo, alguns dos quais sempre voltam, enraizados no interesse de compreender melhor o fenômeno da cultura popular. Três desses heroicos partidários dos Encontros Culturais – Bráulio do Nascimento, Roberto Benjamim e Osvaldo Trigueiro – o mestre, o professor e o estudante de 1976 se tornaram, nas últimas décadas, nos mais acreditados produtores culturais brasileiros (Infonet, 2002).
Não se trata de heroísmo, como disse amigavelmente Barreto, mas de acreditar numa proposta de projeto de estudo e de pesquisa, e, por crer em tudo isso sempre priorizei nos meus compromissos a participação no Encontro Cultural de Laranjeiras deste a época de Luiz Antônio Barreto aos dias atuais com tantos outros heroicos companheiros.
Portanto, pelos encontros culturais passaram importantes personalidades brasileiras e estrangeiras que deixaram as suas marcas, as suas referências e seus ensinamentos para formação de gerações e gerações de novos estudiosos e pesquisadores e me incluo entre eles.
Sou muito grato por tudo que apreendi nas exposições e debates do encontro como também pelo que aprendi e continuo aprendendo com os mestres e brincantes dos grupos folclóricos que se apresentam nas ruas e nas igrejas de Laranjeiras. Enquanto há vida há esperança e espero uma outra atitude das autoridades laranjeirenses na retomada do projeto inicial do Encontro Cultural.










2 comentários:

  1. oi Trigueiro; parabéns pelo seu texto. A cultura de laranjeiras agradece também. Mas a essência cultural de laranjeiras que fala,dos cantos e danças do seu povo. E este ano foi o ano dos protestos pois foi abuso demais Na verdade duvido que atinja o coração do prefeito. Mas é preciso continuar falando até eles morrerem, ou nós..
    Aglaé Fontes

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