quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A Mística do Instante: o tempo e a promessa

É o mais recente livro do padre, teólogo e vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa José Tolentino Mendonça, um especialista em estudos bíblicos que vem publicando com sucesso em Portugal, artigos e livros sobre uma visão contemporânea das relações entre o cristianismo e a cultura. O livro foi editado em 2014 pela Paulinas Editora, em Portugal.
Estava em Portugal e como fazia diariamente lia os principais jornais, é essa mania de professor, de jornalista que, mesmo aposentado, busca informações dos fatos locais e do mundo. Quando li no jornal “PÚBLICO”, do dia 6 de outubro de 2014, uma entrevista com o escritor José Tolentino Mendonça, sobre essa nova visão da religião, da igreja pela fé mística, fiquei muito impressionado e interessado em conhecer melhor o pensamento do autor do livro, A Mística do Instante: o tempo e a promessa.
Não tive dúvida saí de casa só com a intenção de comprar o livro e como estava em Fátima foi muito fácil, logo na primeira livraria encontrei e para não perder tempo fui até uma tasca, ali bem próximo ao Santuário, sentei pedi uma taça de vinho da casa, azeitonas, queijos e pão e comecei a ler, parece que tinha adivinhado foi uma combinação perfeita degustar o livro acompanhado com vinho, queijo, azeitona e pão. O livro é uma caminhada, um itinerário teológico sobre os sentidos naturais e os sentidos espirituais, o tato, o paladar, o olfato, a audição e a visão e a importância de cada um desses sentidos para uma reflexão do texto bíblico, até porque, segundo o autor, não há os sentidos espirituais, de um lado, contraposto aos sentidos naturais, de outro.
A leitura do livro é agradável, nos leva a compreender melhor os sabores da vida cotidiana e as nossas relações com o Evangelho. E logo no início o autor chama atenção para duas questões, a primeira quando diz: Para alcançar o divino a alma tem de mergulhar na própria alma. A alma que não é apenas a parte interior do corpo, mas que está ligada na maneira de ver, de pegar, de cheirar, no diálogo com os outros e nos sabores que aproximam Deus do seu povo pelas diferentes instâncias místicas da fé e das experiências do mundo; a segunda, quando ele diz: O divino é o mistério. A via para ele passa por desligar-se do mundo, do mundo habitual e quotidiano, e reentrar no espaço interior, esse sim, a morada que guarda Deus religiosamente. A referência não é de uma religião, de uma igreja somente filosófica, mas de uma religião e de uma igreja construídas por andarilhos, por romeiros, por viajantes e mestres mais próximos da vida cotidiana do homem comum, assim como é desejada pelo papa Francisco.
São questões simples, mas que nos levam a pensar o nosso interior como sujeito autêntico e socialmente coletivo de compartilhamento com a nossa fé. O livro é uma caminhada, página por página, de reflexão sobre a vida cada vez mais artificial, do afastamento do homem da natureza, da fadiga exigida pela sociedade moderna, mas também das possíveis saídas para uma vida melhor comunitariamente no espaço e no tempo da religião e da cultura. Ou seja, Um dos aspectos centrais da mística do instante é a conversão da nossa relação com o tempo. Como construiremos o presente e o futuro? O nosso espaço e o nosso tempo vivido? Que resposta podemos dar a tudo isso? Vivemos, uma crise da competição, do consumo e do endividamento, da separação do amor do conhecimento, da incompreensão e da intolerância com o outro. Em,  A Mística do Instante: o tempo e a promessa, com certeza vamos encontrar as respostas para algumas dessas questões.
Todos os sentidos têm importância significativa no itinerário teológico desenvolvido, mas foi o capitulo Buscar o infinito sabor que mais me chamou atenção quando o autor faz uma caminhada de diferentes sabores que nos levam a conhecer com maior profundidade o texto bíblico, melhor dizendo, a revelação bíblica também se apreende comendo. E a sua leitura constitui uma minuciosa iniciação aos sabores: ao recôndito sabor do leite, e do mel, ao sabor do trigo tostado, ao motivo trânsfuga dos ázimos, ao riso iluminado que o manjar pascal desperta.
Vamos conhecer em Sabor das origens a comida tradicional de uma localidade de uma família; em a Bíblia contada pelos sabores o autor fala da nossa relação com o texto sagrado; mais adiante sobre o Pão de mil sabores; dos Sabores de Deus; Um novo protocolo em redor da mesa;  Bom domingo e bom almoço; comenta a importância  da frase com que o papa Francisco se despede dos fiéis reunidos para Angelus em cada domingo na Praça São Pedro no Vaticano; Quando não comer é uma oração; aqui José Tolentino relata os significados do jejum e assim vai interpretando a Bíblia e os diferentes sabores no contexto bíblico e os seus ensinamentos para as práticas da vida cotidiana.
A leitura do livro nos leva a refletir o texto bíblico no tempo e espaço da mesa onde as refeições são atos performativos não só de comida, mas também das palavras e como local de conversação. As celebrações religiosas na cultura ocidental quase sempre terminam com festa na grande mesa, onde se confraternizam todos inclusive os publicanos e pecadores.  Assim como diz o autor: Literalmente, a Bíblia é para comer. É odorosa, recôndita, vasta como a mesa celeste, íntima como a mesa materna, grata ao paladar, engenhosa, profusa, profícua.

O tema do livro não é gastronomia é religião mesmo, mas é uma leitura cheia de sabores para melhor degustarmos a compreensão da fé mística no século XXI. Boa leitura.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O 13 de Outubro no Santuário de Fátima Portugal

 Mais uma vez, eu e Rosinha, passamos uma temporada em Portugal e a maior parte do tempo em Fátima, para um convívio com familiares e amigos. Mas, também aproveitei para continuar as minhas observações no Santuário na tentativa de compreender melhor a demonstração de fé não só dos portugueses, mas de católicos das diferentes partes do mundo à Nª. Sª. de Fátima, que durante todo o ano vão aos milhares à Cova de Iria principalmente de maio a outubro nos dias 12 e 13 de cada mês .
Completamos o ciclo das grandes peregrinações internacionais de aniversário das aparições, estávamos lá em maio (2011), em agosto (2013) e agora em outubro de 2014. É impressionante ver a chegada dos peregrinos ao Santuário procedentes de todas as partes do mundo e de diferentes maneiras, em grupos ou individualmente, inclusive das longas jornadas de caminhadas pelas rotas dos peregrinos.
Na noite do dia 12 um grande número de fiéis participou da vigília de oração e por volta das 22 horas teve início a procissão das velas, mesmo com muita chuva, vento e frio os peregrinos abrigados em guarda-chuvas e capas não mediram esforços ficaram até o fim da cerimônia. 
É sem dúvida um momento emocionante e testemunhamos o mar de velas levadas pelos peregrinos que iluminavam o Santuário no percurso da procissão que terminou por volta das 23 horas. O Santuário continuava cheio, eram aproximadamente 90 mil fiéis, segundo cálculos da Assessoria de Comunicação do Santuário (Jornal Voz de Fátima, 13/11/2014). Muitos dos peregrinos continuaram por toda noite em vigília na Capelinha das aparições mesmo com tempo adverso.
No dia 13 de outubro (institucionalizado em junho deste ano pelo Parlamento de Portugal como o Dia do Peregrino) pela manhã começaram as celebrações de encerramento oficial das peregrinações de 2014. A missa solene foi celebrada por D. Filipe Neri Ferrão, arcebispo de Goa e Damão e patriarca das Índias Orientais. A chuva, o vento e o frio continuaram por toda a manhã e no Santuário cerca de 150 mil peregrinos dos 131 grupos oriundos de 25 países ocupavam os espaços da Cova de Iria para participar da missa solene e da procissão da despedida (Jornal Voz de Fátima, 13/11/2014).
Outro momento de grande emoção, na manhã do dia 13, é a procissão da despedida quando os fiéis agitam os seus lenços num gesto de adeus à Virgem Maria.  É realmente uma ocasião muito especial, um acontecimento que impressiona mesmo aqueles que não são católicos, que estão ali apenas na condição de turista para conhecer o Santuário de Fátima ou para assistir um megaevento religioso. 
São 97 anos das primeiras aparições e cada vez mais cresce o fluxo de peregrinos de todas as partes, independente de gênero, raça, faixa etária e até de fé, que vão a Fátima, um dos mais importantes santuários católicos do mundo. 

Ali os peregrinos têm ainda a oportunidade de conhecer o complexo arquitetônico contemporâneo da Igreja da Santíssima Trindade, os Valinhos, a Capelinha das Aparições, a Basílica de Nª Sª. do Rosário, os museus e a boa gastronomia portuguesa. Fátima se prepara para as celebrações do centenário das aparições em 2017 e o mundo católico estará voltado para esse acontecimento religioso.

Os pagadores de promessas


A prática de pagar promessas vem desde a origem das religiões, mesmo antes da difusão do cristianismo e do catolicismo. A oferenda votiva é uma manifestação tradicional enraizada no catolicismo popular brasileiro, herdada do catolicismo ibérico, especialmente dos portugueses e que até hoje continua sendo praticado no Brasil e em tantas outras partes do mundo.  


No Santuário de Fátima, a tradição de pagar promessa, fica muito evidente com as mais diferentes manifestações de fé a Nª. Sª. de Fátima. A prática universal do pagamento de promessa continua sendo um ato de demonstração da gratidão, de agradecimento do devoto e dá a certeza que a graça e o seu desejo alcançado teve a intermediação do seu santo ou de sua santa de devoção. 

A promessa paga, materializada pelo ex-voto, significa o agradecimento do fiel à sua divindade pela realização do casamento, pela cura de doenças e dos vícios, pela passagem de ano nos estudos, a conquista de um novo emprego, da aquisição da casa, de um carro, de uma moto ou de outros desejos. Enfim, o pagamento de promessa é uma manifestação de caráter religioso vinculado a uma atividade extraordinária, daquilo que foge às práticas cotidianas do devoto e são manifestações do sagrado presente em quase todas as religiões.
Durante o ano milhares de peregrinos no Santuário de Fátima pagam promessas acendendo velas, deixando ex-votos, na sua maioria de cera em forma do corpo humano ou de animais. São cabeças, pernas, braços, pés, corações, rins, seios, também há uns que pagam promessas deixando flores, cartas, bilhetes, fotografias, outros com penitencias e com sacrifícios físicos pagam as suas promessas de joelhos e até mesmo se arrastando, quase sempre em torno da Capelinha das aparições. Testemunhamos as mais diferentes manifestações de fé nesses vários tempos e espaços de observação no Santuário.

Fátima como destino turismo

A cidade de Fátima, fica a 110 quilômetros de Lisboa, além de ser um destino turístico religioso, oferece aos visitantes uma boa rede hoteleira, de restaurantes, tascas e petiscarias com preços acessíveis a todas as categorias socioeconômicas. 
Mas, nos restaurantes Tim Tim, Crispim, Paladares ou no Café Azinheira entre outros, os turistas podem degustar o que tem de melhor na tradicional gastronomia portuguesa.
Os peregrinos e os turistas ainda podem comprar artigos religiosos nas centenas de lojas espalhadas por toda cidade e recomendamos as lojas localizadas no Centro Comercial Azinheira e no edifício João Paulo II (o popular Redondo), nas cercanias do Santuário. 
Nesses locais pode-se comer e comprar artigos religiosos sem perder muito tempo na busca de preços e qualidade. 

Nos dias 12 e 13 de outubro visitaram Fátima mais de 200 mil pessoas e a polícia local registrou prováveis dois furtos de carteira, porque as pessoas que prestaram queixa não tinham a certeza se foram mesmo furtadas ou se perderam seus objetos e, um acidente de transito sem maiores consequências (Jornal Notícia de Fátima, 24/10/2014). Fátima, assim como o país, é uma cidade segura que o turista não necessita ficar preocupado ou com medo de andar nas ruas. 
Sem dúvida, Fátima será sempre um destino turístico de interesse dos brasileiros que visitam Portugal, além do motivo principal que é a visita ao Santuário, mas também pela hospitalidade, pela facilidade da língua, itens que fazem os brasileiros se sentir mais próximos do Brasil fora do Brasil. Tenho quase certeza que em 2017, ano do centenário das aparições, os brasileiros irão em maior número a Fátima.


  

























quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Caboclo & Caboclos

Capa do CD
Caboclo é o título do novo álbum de Pierre Aderne lançado este ano em Portugal com boa aceitação de público e da crítica não só pela beleza das músicas, mas pela obra de arte da sua embalagem e a participação de convidados entre os quais Melody Gardot e Philippe Baden Powell. O Centro Cultural Olga Cadaval em Sintra, Portugal, onde aconteceu o concerto de lançamento de Caboclo, no dia 14 de novembro, é testemunha do que digo.

De caboclo Pierre tem a sabedoria, a persistência, a luta para chegar onde quer, a superação das dificuldades e o desejo de viver em harmonia com a natureza, assim como são os verdadeiros caboclos. Caboclo, o álbum de Pierre, é uma mistura de música brasileira e portuguesa, passando por Cabo-Verde e pelo mundo afora.

Caboclo é o filho nascido de índio com branco (ou vice-versa), que tem caraterísticas fisionômicas marcantes que definem bem essa mistura e, quase sempre, habita áreas próximas das matas, dos rios e vive como pessoa simples, mas grande detentora de saberes culturais tradicionais. Nesse sentido Pierre Aderne é um caboclo que mistura diferentes estilos musicais com caraterísticas que definem muito bem o seu jeito de cantar e compor. É caboclo quando consegue juntar a música tradicional e contemporânea brasileira e portuguesa (re)simbolizando o antigo e o novo sem cair na mesmice e sem forçar “a barra”, até porque Pierre é caboclo com conhecimento de causa.

Nascido na França, Pierre sim, é caboclo pela vivência lá na comunidade de Olhos D’Água no interior de Goiás, junto com a caboclada ouvindo e cantando a Catira e a Folia de Reis, é também caboclo pela sua passagem por João Pessoa na beira do mar do lado de cá do Atlântico convivendo com os caiçaras cantadores e dançadores de Cordel, de Coco Praieiro, de Ciranda e de Bumba-Meu-Boi, ou ainda a vivência, já mais maduro, no Rio de Janeiro entre Copacabana e Ipanema ouvindo e cantando o que tem de melhor do samba brasileiro e da bossa nova.
Por tudo isso e muito mais que o novo álbum de Pierre é Caboclo.
Contra capa do CD Caboclo

Caboclo é global porque o seu conteúdo é mundial e local ao mesmo tempo, porque Pierre, mesmo morando na Rua das Pretas bem ali no centro de Lisboa, continua com “os pés” assentados na sua terra, no seu chão e nas suas experiências vividas, desde o nascimento, com o professor Armando Faria e a professora Laís Aderne.
Não é por mero acaso que Caboclo é essa hibridização cultural vivenciada por Pierre Aderne, como resultado do cruzamento de um português lá de Vilar dos Prazeres (Ourém) com uma brasileira aqui de Diamantina/Minas Gerais.

Não é só mais a língua e nem o Atlântico que unem o Brasil a Portugal (ou vice-versa), agora temos o Caboclo de Pierre Aderne.

Deguste em "Fado do Ladrão Enamorado" um
pouquinho do que encontra em Caboclo.



sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Cidade Templária portuguesa festeja Santa Iria

Praça da República
A cidade de Tomar tem cerca de 15 mil habitantes, pertence ao Distrito de Santarém,  fica a 138 km de Lisboa e 31 km de Fátima, tem no seu patrimônio histórico  o  Castelo de Tomar, o Convento de Cristo e  a Igreja de Santa Maria dos Olivais, importantes monumentos do simbolismo da Ordem Templária em toda a Europa. Andando pela cidade, em cada rua, beco e esquina, encontramos igrejas, casas, tabernas, tascas, praças e pontes sobre o lendário rio Nabão, que nos levam a um passado que remonta à Idade Média.
Igreja São João Batista
Tomar é uma cidade onde o antigo e o novo convivem na atualidade, possibilitando aos visitantes conhecer vendo e até degustando períodos importantes da história de Portugal. Rica, em quantidade e qualidade, de bens culturais materiais e imateriais, destaca-se pela sua gastronomia diversificada especialmente pelos vinhos e os doces conventuais. Três grandes festividades são celebradas na cidade: a Festa dos Tabuleiros, do Círio de Nª. Senhora da Piedade e a Feira de Santa Iria. 
Em 2011, ano da realização de mais uma Festa dos Tabuleiros, eu estava em Tomar, agora em 2014 volto para ver a Festa de Santa Iria, sua padroeira, realizada de 17 a 26 de outubro.

Assim como no Brasil as festas populares tradicionais portuguesas têm as diversões profanas e as celebrações religiosas e a de Santa Iria não poderia ser diferente. Visitei a feira de frutos secos, a feira agrícola, fui aos carroceis, às tascas, tomei vinho com castanhas assadas, com uma boa bifana no pão (sanduiche de carne de porco) e tudo transcorreu num belo dia de verão em pleno outono. Um veranico de Santa Iria para uns e para outros um veranico de São Martinho. 
Mas, foi a procissão de Santa Iria que mais me interessou não só  pela sua singularidade, mas pela demonstração de fé e do cuidado que os  tomarenses têm com as suas tradições.


A PROCISSÃO

A celebração religiosa no dia 20 de outubro, dia de Santa Iria, começa às 10 horas com a missa solene na igreja de São João Batista. Em seguida, por volta das 11 horas, tem início a procissão de Santa Iria, que saindo da Praça da República percorre as principais ruas da cidade até a capela de Santa Iria que fica na margem do rio Nabão.
O cortejo que conduz a santa é acompanhado por várias autoridades eclesiásticas, civis, militares, centenas de crianças das escolas do concelho e são elas que chamam mais atenção da passagem da procissão. Acompanhadas pelas professoras e professores, as crianças, levando nas mãos ramos de flores ou cestinhos cheios de pétalas que são lançadas no rio Nabão de cima da Ponte Velha que está próximo da capela de Santa Iria e bem em frente da famosa “Janela de Santa Iria”, a guardiã da cidade. 
Esse é o momento mais esperado pela população, principalmente pelos turistas e pela mídia. Ainda acompanha o cortejo um Rancho Folclórico de Minjoelho, de uma das Freguesias de Tomar que, cantando, narra a lenda do martírio de Santa Iria, na procissão simbolizado pela inocência e pureza das crianças, tornando-se um momento de grande expectativa e de alegria para todos que acompanham a procissão ou vão apenas para ver as crianças jogarem  flores no rio Nabão.  O cortejo com o andor da Santa Iria para na Ponte Velha com a imagem de frente para o rio Nabão e o Rancho Folclórico continua cantando  a música tradicional de Santa Iria onde a 
população fica assistindo as crianças jogando  flores no rio na parte próxima  a Janela de Santa Iria e aos poucos as flores são levadas pela correnteza rio abaixo. Podemos observar que durante todo o dia ainda havia flores sendo levadas pela correnteza, é um espetáculo ver as águas do rio Nabão coloridas pelas pétalas de flores jogadas pelas crianças.  A procissão termina quando o andor com a santa entra na capela ovacionada por todos, o canto do Rancho Folclórico de Minjoelho e com os agradecimentos do Padre Mário Duarte às autoridades e aos fieis presentes.  














Ao turista brasileiro que viaja a Portugal e vai ao Santuário de Fátima recomendo que não deixe de visitar a cidade Templária de Tomar onde conhecerá, também, acontecimentos que influenciaram a nossa história.



terça-feira, 27 de maio de 2014

Altimar, um garimpeiro de Estórias Populares

A Prefeitura Municipal de Cabedelo abriu oficialmente, nesta terça-feira (27/05/2014), no Teatro Santa Catarina, o Ano Cultural Altimar Pimentel, para o qual fui convidado para fazer a conferência de abertura e contar um pouco da história da minha vivência e convivência com Altimar no decorrer de nossa missão nas pesquisas da cultura popular e do folclore, por mais de 20 anos. O evento de abertura também contou, entre outros, com a presença do presidente da Comissão Nacional de Folclore, professor Severino Vicente (RN), do prefeito Wellington Viana França, da secretária de Educação, professora Clecy Alves de Vasconcelos, do assessor geral  professor Neroaldo Pontes e da professora Cleide Pimentel, representante da família do homenageado.
Sobre Altimar, escrevi:

Era uma vez

A Paraíba sempre teve uma tradição de grandes estudiosos e pesquisadores do nosso folclore e da nossa cultura popular, poderíamos listar vários desses importantes pesquisadores paraibanos que continuam sendo citados em trabalhos publicados no Brasil e no exterior. Entre tantos pioneiros, destacamos aqui o trabalho de Altimar Pimentel, paraibano por adoção e de coração, assim ele gostava de ser denominado. 

Caminhos dos garimpos: novas descobertas

 Altimar de Alencar Pimentel nasceu em Maceió, no Estado de Alagoas em 30 de outubro de 1936 e faleceu em João Pessoa a 21 de fevereiro de 2008. Fixou-se na Paraíba em 1952, foi professor, jornalista, dramaturgo e pesquisador da cultura popular, Exerceu vários cargos na administração pública e aqui destaco a sua atuação na UFPB como professor e pesquisador no Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/NUPPO e no Curso de Comunicação Social.
1978 - Seminário sobre Folclore e Turismo na UFPB
No seu trabalho de pesquisa nas áreas do folclore e da cultura popular, mais especificamente o projeto Jornada de Contadores de Estórias da Paraíba, que coordenou por quase três décadas, coletou um acervo significativo em quantidade e qualidade de contos populares.
Entre as muitas contribuições de Altimar Pimentel à cultura paraibana destaca-se a pesquisa e o estudo dos contos populares que se encontra no acervo do NUPPO/UFPB.

Altimar participou ativamente da criação do Museu do Folclore que posteriormente passou a ser o NUPPO, assim como da implantação do Curso de Comunicação Social da UFPB, hoje o Departamento de Comunicação e Turismo – DECOMTUR. Foi também responsável pela reativação da Comissão Paraibana de Folclore e pela coordenação do II Encontro de Folclore da Paraíba, realizado aqui em Cabedelo em 1977, que teve como tema central o estudo e a pesquisa dos contos populares. Colaborou na organização da IV Festa do Folclore Brasileiro, realizada em João Pessoa em agosto de 1978, I Encontro de Folclore da Paraíba em Pombal realizado em outubro de 1976, no período da tradicional Festa do Rosário.

A descoberta do tesouro: Luzia Teresa e Tia Beta

Na atualidade, aqui no Brasil, qualquer estudo ou mesmo notícia sobre contos populares tem que fazer referência ao trabalho desenvolvido pela equipe coordenada por Altimar Pimentel na UFPB através do NUPPO e principalmente as narrativas deixadas por Luzia Teresa.
      
A grande descoberta da Jornada de Contadores de Estória da Paraíba, sem dúvida, foi a narradora Luzia Teresa que chegou a contar 242 estórias diferentes e passou a ser considerada, por especialistas brasileiros, uma das maiores narradoras de contos populares do Brasil e, possivelmente, do mundo.

Altimar reúne 242 contos narrados por Luzia Teresa em cinco volumes publicados pela Editora Thesaurus e pela UFPB.

No II Volume de Estórias de Luzia Teresa, o argentino Felix Coluccio, escritor e estudioso da cultura popular latino-americana, falando da importância dos estudos de Altimar Pimentel sobre Luzia Teresa diz:
Por fim, gravado tudo o que ela acumulava em sua privilegiada memória, estudados todos os contos que há muitos anos estavam em sua lembrança, Pimentel os foi ordenando e, ainda mais, numa tarefa verdadeiramente ciclópica, fez o estudo de cada uma das estórias, revelou sua dispersão universal, e além  disso, traçou seu itinerário e enquadrou cada uma delas nos tipos correspondentes à classificação de Aarne e Thompson, confirmando simplesmente que versões similares foram documentadas na Europa, Ásia e América,  como Pimentel já nos fizera conhecer antecipadamente.

Ainda no II Volume, Bráulio do Nascimento, como presidente do Instituto Nacional de Folclore e Presidente da Comissão Nacional de Folclore, ressaltando o valor de Luzia Teresa para a posteridade, sua importância como artista popular e pelo domínio que tinha em narrar as estórias de reis, rainhas, príncipes e princesas, das lutas entre o mal e o bem, ora fazendo os constituintes da recepção de suas narrativas rirem ou chorarem. Assim diz o professor Bráulio do Nascimento: 
Luzia Teresa, contando suas estórias ilustradas por uma gestualidade peculiar, de que não se perde a imagem, teria surpreendido e tranquilizado Herder com uma recolha tão significativa, dois séculos depois de seu alerta. Era uma mulher frágil, que se transfigurava na companhia dos reis, rainhas, príncipes e princesas, num convívio natural, descrevendo palácios e carruagens, como se houvera circulado pelos salões ou passeado nas carruagens.

Altimar deixa um legado para muitas gerações de estudiosos, de pesquisadores. Luzia Teresa se foi, mas graças ao trabalho de Pimentel, com o apoio da UFPB através do NUPPO, a sua memória, o registro da sua voz e de suas gestualidades em fotografias estão disponíveis para gerações e gerações de estudiosos e pesquisadores do folclore e da cultura popular.
O mesmo aconteceu com Tia Beta, e Altimar revela para o mundo uma das maiores romanceiras populares da nossa história. Tia Beta deixou em filme e CD as suas estórias de Trancoso, de reis rainhas, de bichos que falam como gente, do bem e do mal.  

Pombal (1976) - Cabedelo (1977)


Aqui estiveram nesses encontros pesquisadores como Theo Brandão (AL), Bráulio Nascimento (RJ), Ruth Terra (SP), Vicente Sales (PA), Deifilo Gurgel (RN), Verissimo de Melo (RN), Saul Martins (MG), Domingos Vieira (MA), Luiz Beltrão (DF), Roberto Benjamim (PE), Ricardo Noblat (PE), Mario Souto Maior (PE), Fernando Freyre (PE), Neuma Fechine (UFPB), Socorro Aragão (UFPB), Willis Leal (PBTur), José Nilton (UFPB), Paulo Melo (PB)  e tantos outros importantes nomes dos estudos e das pesquisas do folclore brasileiro.

Também nesse encontro foi lançado o LP Nau Catarineta de Cabedelo, um importante documento discográfico desse folguedo que teve como idealizador e coordenador Altimar Pimentel. Melhor dizendo, tivemos o lançamento de dois documentários o LP produzido pela Marcos Pereira/FUNARTE e o compacto da série documentos sonoros produzidos pela Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, também sobre a Nau Catarineta de Cabedelo.

Altimar atuou, com competência, em várias frentes, mas foi como um verdadeiro garimpeiro em busca de um tesouro quase desconhecido pelas universidades brasileiras e, por isso, um pioneiro na pesquisa e documentação das estórias contadas pelo povo paraibano, do litoral ao sertão. As estórias do mundo fantástico que até encantam os nossos sonhos.  

No projeto Jornada de Contadores de Estórias da Paraíba, criado em 1977 com o apoio do professor Iveraldo Lucena, então Pró-Reitor para Assuntos Comunitários/PRAC/UFPB e de Carmem Isabel e Silva, coordenadora da COEX/UFPB, Altimar iniciava a sua caminhada em busca de contadores de estórias nas diferentes regiões do estado.

Era um fato inédito e até inusitado na época, para o que se chama de pesquisa acadêmica, e aí não podemos deixar de citar a importância de todos esses processos de aproximação da UFPB com o folclore e a cultura popular no reitorado do professor Lynaldo Cavalcanti. O professor Neroaldo Pontes, num período mais recente, também deu a sua contribuição quando Reitor da UFPB.

A Jornada de Contadores de Estórias da Paraíba, que também teve o apoio da Fundação Nacional de Artes/FUNARTE, da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro coordenada pelo professor Bráulio Nascimento, órgãos do então Ministério da Educação e Cultura, posteriormente veio a se tornar um dos mais importantes projetos de coleta de contos populares do Brasil e até hoje continua sendo uma referência para estudiosos e pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

O acervo de contos populares do NUPPO é constituído por cerca de 300 narradores de estórias de 27 cidades paraibanas, que resultou em aproximadamente 1.600 contos gravados, transcritos e, quase na sua totalidade, publicados – Jornada de Contadores de Estórias.

A preocupação de Altimar não era só a coleta dos contos mas, também, realizar estudos e fazer a divulgação para chegar ao maior número de pessoas interessadas no gênero narrativo e isso foi realizado.

Com o sucesso da publicação das estórias em caixas veio em seguida a publicação pelo programa Biblioteca da Vida Rural Brasileira em 1981 – um dos projetos do Programa Nacional de Ações Socioeducativas e Culturais para o Meio Rural/PRONASEC-RURAL, do Ministério da Educação e Cultura/MEC.

O projeto tinha como objetivo a seleção e a adaptação de textos que serviam como complemento – transversal – de incentivo ao aluno, a fim de criar e consolidar hábitos e habilidades de leitura, atentando-se para a realidade sócio-econômica-cultural da área de sua abrangência.  

Altimar continua a sua jornada com as publicações pela Editora Thesaurus com o livro Estórias de Cabedelo com 27 contos narrados por 13 contadores, todos da cidade de Cabedelo. Publica o I Catalogo Prévio do Conto Popular da Paraíba, também, dedicado aos contos coletados aqui em Cabedelo.
 
Na sua análise sobre os contos populares Altimar lembra que os grandes autores de obras literárias universais tiveram como fonte os contos, os mitos e as lendas, matéria-prima que já vem da tragédia grega, do teatro da Idade Média e do Renascimento.  Altimar chama atenção para a importância que tiveram os contos, os mitos e as lendas em autores como Shakespeare, Goethe, Bertolt Brecht e para diversos autores brasileiros e entre tantos os paraibanos José do Lins Rego e Ariano Suassuna.

Como professor, pesquisador do nosso folclore e da nossa cultura popular mas, sobretudo, como coordenador do NUPPO, eu tive o privilégio não só de participar das pesquisas de Altimar, mas também de apoiar no que foi possível para o melhor desenvolvimento do projeto da Jornada de Contadores de Estórias da Paraíba. Essa contribuição ganha visibilidade com a publicação do livro Contos Populares Brasileiros – Paraíba (Recife, Fundação Joaquim Nabuco – Editora Massangana, 1996). Na coletânea que coordenamos foram publicados 87 contos, contados por 56 narradores de 15 localidades diferentes do Estado da Paraíba.

O projeto do Conto Popular e Tradição Oral no Mundo de Língua Portuguesa, coordenado por mim e Altimar Pimentel, resultou de um Convênio celebrado entre o Brasil e Portugal, por ocasião da visita do então Presidente da República Portuguesa Mário Soares à Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, Pernambuco, em 1987 e na primeira etapa o projeto seria desenvolvido no Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O projeto brasileiro foi dividido em subprojetos compreendo inicialmente nove Estados e a Paraíba foi incluída nessa primeira etapa graças ao trabalho anteriormente desenvolvido por Altimar no NUPPO.

São várias as opiniões de importantes estudiosos e pesquisadores dos contos populares sobre o trabalho desenvolvido por Altimar Pimentel e sem dúvida a coleta, a divulgação e o estudo do conto popular na Paraíba inserem-se no contexto da cultura do local e como linha de pesquisa da Universidade Federal da Paraíba, através do seu Núcleo de Pesquisa e Documentação da Cultura Popular/NUPPO. Mas, não foi fácil incluir não só o conto popular neste contexto da pesquisa acadêmica, mas o folclore e a cultura popular numa perspectiva mais abrangente, por serem vistos como objeto lúdico, exótico e sem maiores interesses para o mundo acadêmico.

Nas décadas de 70 e 80 do século passado vivemos períodos de patrulhamentos ideológicos, por determinados segmentos da universidade, éramos mencionados como professores e pesquisadores de segunda “categoria” pela ocupação do nosso tempo com estudos das manifestações folclóricas e das culturas populares.

Atualmente vejo com satisfação o resultado de todo esse trabalho desenvolvido por arrojados estudiosos e pesquisadores que passaram pelo NUPPO, que contribuíram na construção de um acervo de diferentes manifestações culturais tradicionais. 
         
Assim foi Altimar Pimentel, um garimpeiro de estórias, professor, jornalista, dramaturgo, pesquisador do nosso folclore, da nossa cultura popular, alagoano de nascimento, paraibano por adoção e de coração.
Com o Prefeito Leto e o Presidente Severino Vicente/CNF

Esse é um pequeno testemunho de quem foi Altimar e, entrei pela perna de pinto e saio pela perna de pato, seu rei mandou dizer que eles contassem quatro.



A solenidade encerrou em clima de festa com os convidados e plateia cantando uma canção da Nau Catarineta de Cabedelo, Paraíba.